11 de ago. de 2023

A Livraria do Globo da Rua da Praia

 


A escultura de ferro no topo do prédio da Rua dos Andradas (Rua da Praia), talvez continue despercebida devido à pressa dos dias de hoje. Nela há uma mulher, um menino com o globo terrestre e uma frase em latim: urbi et orbi (à cidade e ao mundo), inspiração de Laudelino Pinheiro de Barcellos, primeiro proprietário de uma modesta papelaria que mais adiante, associou-se José Bertaso. 

A Livraria do Globo, fundada em 1883, foi o ponto de partida de uma série de empreendimentos literários que conduziram a vida intelectual do pais e referência nacional do setor tipográfico e editorial.

Edificado no estilo neo-renascentista, a sede da Livraria do Globo, foi projetada pelo arquiteto e imigrante italiano Armando Boni, e concluída em 1928, autor de outras obras conhecidas na cidade, como a Concha Acústica do Auditório Araújo Vianna na Praça da Matriz (demolido), Cemitério São Miguel e Almas, Restaurante do Balneário de Belém Novo, Casa Guido Corbetta e Casa Boni (tombada pelo Município).

Com o desenvolvimento da gráfica, aliada ao comando empresarial de Henrique, um dos filhos de José Bertaso, em 1928 foi criada a Revista do Globo, que surgiu a pedido do então presidente do Estado, Getulio Vargas, em seguida, a Editora Globo, que inovou a indústria livreira do Brasil nos anos 1930 e 1940 e, após a Revolução de 30, a Casa Bancária Globo, que obteve prestígio no mercado financeiro estadual.

Por volta de 1932, com a criação de Editora Globo, Erico Verissimo foi contratado como secretário da Revista do Globo por Mansueto Bernardi, diretor da revista. No mesmo ano, publicou sua primeira obra, o livro de contos Fantoches. Durante quase duas décadas, transformou-se na, talvez, mais importante empresa do ramo no país. Depois de lançar inúmeros autores gaúchos, como o próprio Erico, Mario Quintana, Dyonelio Machado, Reynaldo Moura, e gente da turma dos encontros dos sábados, abraçou a gigantesca tarefa de trazer ao público brasileiro obras dos mais importantes autores estrangeiros, clássicos e contemporâneos, qualificando e promovendo o acervo literário gaúcho e consolidando ainda mais a boa imagem da empresa, nacional e internacionalmente.

Livraria do Globo - Livros e Autores

Faltaria espaço aqui para a extensa galeria de nomes. Apenas alguns, como amostra: Proust, Stendhal, Poe, Maupassant, Shakespeare, Nietzsche, Montaigne, Tolstoi, Ibsen, Dickens, Balzac, Gide, Huxley, Conrad, Rilke, Dumas, Flaubert e dezenas de outros. A Globo reuniu uma respeitável equipe de tradutores, como Quintana, Drummond, Cecília Meirelles, Lúcia Miguel Pereira, Herbert Caro, Paulo Rónai, além do pessoal da Casa, como Erico e os irmãos Leonel e Lino Vallandro.

Henrique Bertaso e Erico Verissimo 

Depois da administração de seu pai, Henrique Bertaso, José Otávio assumiu a Globo em meio a um momento de crise nos anos 1950, que culminaria com a venda da Globo dos Bertaso para a Globo dos Marinho, em 1986.

Mas o prédio da Livraria do Globo vai continuar, como lembrança do que já representou e como um dos pontos de referência mais indicados do centro de Porto Alegre.

Veja também:

Entrevista de Justino Martins com Erico Verissimo para Revista do Globo


fontes:

https://www.ufrgs.br/cultura/a-globo-da-rua-da-praia-a-livraria-que-norteou-o-universo-editorial-do-pais/

https://autoreselivros.wordpress.com/2010/10/20/livraria-globo/

https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/fale/article/download/15766/10383

24 de jun. de 2023

Poesia Visual

Escrita e imagem, linguagem e símbolo. Esses elementos se relacionam na poesia visual e expressam uma poética informal que valoriza os efeitos visuais, ou seja, sua estrutura forma imagens. Essas imagens completam o sentido do poema, dando maior expressividade e podendo combinar-se com outras linguagens artísticas.

São produções literárias em que as imagens, formas e tudo o que é capaz de ser captado pela visão; ganham destaque. A união da poesia e outras artes imagéticas e sonoras, como as artes visuais, a música, a dança, etc... Não se restringindo ao uso exclusivo da linguagem verbal.

História do poema visual

A poesia visual ganhou destaque internacional apenas na época do Modernismo, ou seja, foi algo bem recente.

Este movimento literário surgiu após as vanguardas europeias, que revolucionaram o modo de se fazer arte, seja na música, pintura ou literatura.

Esses movimentos foram pensados de forma a romper com os padrões formais das artes que já haviam sido produzidas. Assim, logo após o Modernismo, as formas de poesia visual ganharam força, pois são uma forma de expressão livre.

Na Antiguidade, já foram registrados, em 325 a.C., Símias de Rodes criou o poema intitulado ‘O ovo’, sendo esse o poema visual mais antigo que se tem registro, pelo menos na cultura ocidental. A ideia do poema é mostrar o nascimento do canto, da poesia. A fêmea protege o ovo, mas sabe que após chocar é preciso alçar voo, assim como Hermes que jogou a poesia aos mortais para criarem o canto.


Mallarmé (1842-1898), um importante poeta e crítico literário francês, trabalhou o poema visual no seu famoso poema ‘Un coup de dés jamais n’abolira le hasard‘ (‘Um lance de dados jamais abolirá o acaso’), em que desconsidera as linhas que compunham o verso, denominando-as de ‘subdivisões prismáticas’. Assim, por meio dos espaços em branco deixados no texto, o autor conseguia informar o ritmo do poema, evidenciando as pausas. Depois de Mallarmé, muitos outros autores começaram a desenvolver poesia visual, influenciados pelos movimentos de vanguarda do século XX.



Poema visual no Brasil

Sem dúvidas, o Concretismo foi a maior expressão de poesia visual no Brasil. O movimento, liderado por Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, explorou as possibilidades visuais da poesia no seu limite.

Foi um movimento de vanguarda, principalmente porque a poesia contemporânea se preocupa bastante com a mistura entre linguagem, imagem e símbolo para criar sentidos.

Paulo Leminski foi um poeta paranaense que teve influências que vão desde a geração mimeógrafo até o concretismo.

Outro grande nome foi Ferreira Gullar, poeta que buscou os limites da linguagem poética não só na poesia visual, mas também no interior da própria crise da linguagem que surgiu no século XX. Paulo Leminski representou uma grande diversidade literária, conhecido também por popularizar o haikai na literatura brasileira.

Haroldo de Campos é um dos principais poetas representantes do Concretismo.  A visão do poeta sobre a poética de Mallarmé, no poema ‘um lance de dados’, que foi uma grande influência para os concretistas brasileiros, basicamente explica como que a poesia se tornou pós-moderna com o rompimento da métrica do verso.

É exatamente por considerar o imagético como principal veículo para transmitir a mensagem que a poesia visual nem sempre considera a palavra como o núcleo da obra, mas sim o símbolo. Daí a importância dos arranjos e da organização espacial do poema, pois é isso que caracteriza o poema visual.

Tipos de poema visual

- O caligrama é uma forma de poema visual que dispõe as palavras de modo a formarem um objeto imagético que representam um símbolo. Em um dos poemas mais famosos de Apollinaire, é possível perceber que as palavras formam uma mulher. Outra particularidade do caligrama é que só é permitido usar recursos do mundo da escrita, ou seja, outros traços não são considerados caligramas. O primeiro exemplo, do poema ‘O ovo’, pode ser considerado um caligrama. Confira os principais representantes do caligrama:

·         Guillaume Apollinaire (1880-1918): provavelmente o primeiro poeta a reutilizar essa forma, foi ele que primeiro usou a palavra caligrama. Também foi um dos ativistas de vanguarda mais importantes, defendendo o Cubismo e sendo o inventor do termo Surrealismo;



·      José Juan Tablada (1871-1945): foi um poeta, jornalista e diplomata mexicano. Seu nome está associado aos movimentos modernistas de língua espanhola, sendo o primeiro modernista mexicano;



·     Oliverio Girondo (1891-1967): foi um poeta argentino do movimento de vanguarda;



·     Guillermo Cabrera Infante (1929-2005): foi um escritor cubano, produziu não só poemas visuais, mas também romances, contos, ensaios e roteiros para cinema

- Poesia experimental portuguesa (PO-EX)

O movimento PO-EX foi criado por poetas portugueses inspirados pelos ares do concretismo e da poesia visual do século XX. O movimento foi lançado a partir da revista Poesia Experimental, publicada em 1964 e contou com os seguintes autores:

·         E. M. de Melo e Castro (1932-2020): poeta português que explorou diversos meios e mídias;

·         M. S. Lourenço (1936- 2009): além dos poemas, foi importante para a parte teórica da PO-EX;

·         Ana Hatherly (1929-2015): além de escritora e pintura, Hatherly foi importante por questionar a ideia concretista de que a poesia visual teria sido inventada no século XX. Segundo ela, era preciso incluir no conceito todas as experiências de textos-imagens (hieróglifos, ideogramas, criptogramas, diagramas etc.).

- Concretismo

O movimento a utilizar a poesia visual de modo mais difundido foi o concretismo. Os poemas concretistas, em geral, tinham uma crítica política forte, sobretudo os primeiros autores, na década de 50. Embora o concretismo tenha sido um movimento internacional, a poesia concreta foi, de fato, definida e aplicada pelos irmãos Campos e Décio Pignatari, que escreveram o Manifesto ‘Plano-piloto para poesia concreta’, publicado em São Paulo, em 1958. Além desses três poetas, conheça alguns outros:

·         José Paulo Paes (1926-1998): ainda que tenha participado do concretismo, o estilo de Paes era mais voltado à poética de Oswald de Andrade;



·         José Lino Fabião Grünewald (1931-2000): poeta, tradutor, crítico de cinema, de música popular brasileira e de literatura, Grünewald fez parte do grupo de poetas concretos Noigandres;



·         Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho (1960-): Arnaldo Antunes é um músico, poeta e artista visual brasileiro. Além de escrever diversos poemas concretos, é conhecido por ter feito parte das bandas Titãs e Tribalistas.


Outros tipos de poemas visuais

- Poema objeto: um dos maiores poetas a explorar esse gênero foi Ferreira Gullar. O poema objeto utiliza não só a linguagem, mas uma estrutura, em que a interação com o leitor-espectador é imprescindível;

- Infopoesia: é a poesia que utiliza a imagem, mas que é feita exclusivamente por um meio digital, como o computador, celular ou tablet. Um poeta que se aventurou nesse tipo foi Wlademir Dias-Pino;

- Carmina figurata: foi um tipo de poema visual que foi criando no Baixo Império Romano, por volta de 350 e existe até hoje. O poema era composto por uma imagem de cruz e textos que perpassavam a imagem, com temas religiosos. Rabanus Maurus foi um escritor que produzir diversos poemas de carmina figurata.

A própria escrita surgiu de imagens. Desse modo, é natural que exista essa convergência.

Referências:

Teoria da Poesia Concreta (1965) – Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos

INFOPOESIA: Uma poesia transpoética (1997) – E. M. de Melo e Castro

Modernidade e vanguarda em Mallarmé (2017) – Andressa Cristina de Oliveira e Thais de Souza Almeida

Cisne isolado, sujeito deslocado: Mallarmé em diálogo com Apolo, Baudelaire, Andersen e Eduardo Guimaraens (2014) – Bruno Anselmi Matangrano


23 de mar. de 2023

VIVA A VIDA! Um dos últimos textos de Erico

SUPLEMENTO ESPECIAL - ZH - 17/12/75

Um dos últimos textos escritos por Erico Verissimo, há pouco mais de um mês, foi para a apresentação de um álbum de gravuras de artistas gaúchos, que está sendo lançado à venda (apenas 500 exemplares) em benefício do Lar dos Velhos mantido pela Sociedade Israelita Riograndense. Evocando Unamuno, Erico compôs um hino à vida da forma como ele a entendia e que está presente em toda sua obra. O original do texto até aqui inédito, assinado pelo autor, é o que apresentamos no fac-símile ao lado.


Sofremos tempos terríveis. Nos meus momentos de pessimismo, tenho a impressão de que os homens estão aos poucos morrendo afogados em seus próprios detritos, no mais estúpido dos suicídios. De todas as a poluições que hoje nos afligem a do ar, a da terra e a da água nenhuma é mais letal do que a poluição dos espíritos, esse tipo de sujeira que leva as criaturas humanas a se odiarem e agredirem umas as outras.

No entanto nunca como em nossos dias conseguiu o homo sapiens leva-la mais longe os feitos de sua inteligência, de seu engenho e de sua capacidade inventiva. Os geneticistas aproximam-se cada vez mais da descoberta do segredo da vida. Explora-se o espaço sideral. Pés humanos já pisaram o solo da Lua, os cérebros eletrônicos fazem prodígios. A Física e a Bioquímica avançam com passadas de gigante.

Era de esperar-se que com todo esse progresso cientifico e técnico, a esta altura de sua História os homens já tivessem aprendido a viver em paz uns com os outros, sem ódios nem conflitos de natureza econômica, racial, política ou religiosa, num mundo em que houvesse espaço físico e psicológico, alimentos, instrução, habitações, vestuário, assistência médica e hospitalar, paz para todos. Desgraçadamente pouco ou nada disso tem acontecido. A violência e a agressividade são a nota tônica de nossa época. A inflação dos preços dos bens de consumo aumenta de maneira assustadora, ao mesmo passo que, na bolsa de valores éticos, nunca uma vida humana desceu a preço mais vil, genocídio parece ter-se transformado no esporte favorito dos povos chamados fortes. Duas guerras monstruosamente destruidoras mancham vergonhosamente nosso século, milhões de seres humanos através do mundo buscam no uso de drogas alucinógenas ou entorpecentes uma porta de fuga duma vida que temem ou, detestam ou com a qual não se conformam. Para onde vai então à humanidade?

Este introito um tanto apocalíptico tem por fim fazer às vezes dum envelope de chumbo dentro de qual envio aos que me lerem um bilhete de esperança. Estou certo de que mais dia menos dia, os homens hão de encontrar as veredas da paz e do amor. Para esse encontro está destinado as artes em geral um papel de enorme importância.

Permitam-me contar agora uma estória histórica. Em 1936, logo no princípio da sangrenta Guerra Civil espanhola, realizou-se na antiga e famosa Universidade de Salamanca uma sessão cívica comemorativa do Dia da Raça. Estavam presentes, além de professores e alunos, altas autoridades civis, militares e eclesiásticas. O Gen. Millán Astray, membro da Falange franquista, pronunciou então um discurso violento, no qual atacou as províncias vascas e andaluzas, perorando com o brado de "Viva Morte”.

Unamuno, ao deixar a Universidade de Salamanca em 12 de outubro de 1936

Don Miguel de Unamuno, o grande escritor e humanista espanhol, então reitor da Universidade, ergueu-se de sua poltrona e sem perder a serenidade, rosetou as palavras do truculento líder falangista, dizendo, entre outras coisas, que aquele grito de "Viva la Muerte!" era insensato e necrófilo. O Gen. Astray, irado, gritou:" abaixo a inteligência!" Unamuno imperturbável, prosseguiu "Este é o templo do intelecto e ou. o seu Sumo sacerdote. Vocês vencerão porque tem força bruta mais que suficiente. Mas não convencerão porque, para convencer, é preciso persuadir. para persuadir vocês precisarão do que lhes falta. Razão e Direito."

Tive a oportunidade de, trinta anos depois dessa agitada sessão, visitar a Casa de Unamuno, na cidade de Salamanca. Sobre a mesa do gabinete de trabalho do grande escritor, ao lado dum original manuscrito e de seus óculos, vi alguns de seus passarinhos de papel que o mestre costumava fazer como passatempo, e com grande habilidade.

Ado Malagoli, Alice Brueggmann, Alice Soares, Carlos Scliar, Carlos Tenius, Xico Stockinger, Danúbio Gonçalves, Romanita Martins, Vasco Prado e Zorávia Bettiol - admiráveis artistas plásticos - doaram generosamente trabalhos de sua autoria para formar esta coleção, cuja finalidade como se sabe, das mais nobres. Congratula-me com esses legionários da paz e da fraternidade, na certeza de que, como eu, eles acreditam na vitória final dos "pajaritos de papel" de Miguel de Unamuno sobre a espada do Gen. Astray.

 "Viva a vida: "


16 de fev. de 2023

A OBRA COMPLETA DE ERICO

  • Fantoches (1932)
  • Clarissa (1933)
  • Caminhos Cruzados (1935)
  • A Vida de Joana d'Arc (1935)
  • As Aventuras do Avião Vermelho (1936)
  • Os Três Porquinhos Pobres (1936)
  • Rosa Maria no Castelo Encantado (1936)
  • Meu ABC (1936)
  • Música ao Longe (1936)
  • Um Lugar ao Sol (1936)
  • As Aventuras de Tibicuera (1937)
  • Um Urso com Música na Barriga (1938)
  • Olhai os Lírios do Campo (1938)
  • A Vida do Elefante Basílio (1939)
  • Outra Vez Três OS Porquinhos (1939)
  • Viagem à Aurora do Mundo (1939)
  • Aventuras do Mundo da Higiene (1939)
  • Saga (1940)
  • Gato Preto em Campo de Neve (1941)
  • O Resto é Silêncio (1942)
  • A Volta do Gato Preto (1946)
  • O Continente (1949)
  • Primeiro volume da trilogia O Tempo e o Vento, o Retrato (1951)
  • Segundo volume da trilogia, Noite (1954)
  • Gentes e Bichos (1956)
  • México (1957)
  • O Ataque (1959)
  • O Arquipélago (1961)
  • Terceiro volume da trilogia, Senhor Embaixador (1965)
  • Prisioneiro (1967)
  • Israel em Abril (1969)
  • Incidente em Antares (1971)
  • Solo de Clarineta (1972)

DO CADERNO H - 13/12/1975

O ERICO

Mario Quintana

Escritas antes, para comemorar os seus setenta anos, as palavras seguintes saem hoje dolorosamente ainda com a presença física de Erico Veríssimo. Foram escritas para ele as ler. Isso explica o tom com que as escrevi. E que conservo, Deus sabe por quê.

E como se nada tivesse acontecido. Porque a morte nunca desatualizou ninguém, e muito menos o nosso querido Erico.

"Quando, com os da minha geração, que era a dele, eu conheci o Erico, ficamos a chamá-lo para sempre e assim mesmo: o Erico. O mesmo aconteceu com as outras gerações. Como ele é, antes de tudo, uma presença humana, essa familiaridade explica-se por si. Ele está conosco é o que pensam. O raio do homem consegue ser contemporâneo de todas as gerações.

Pois não será esse, acaso, o segredo de um verdadeiro romancista?

Por isso é que ele entra agora na casa dos setenta com a mesma afoiteza e curiosidade com que entrou na casa dos vinte, de olhos bem abertos para a vida. A vida continuou. Ele também. Sempre em dia com ela.

Aliás, a vida está sempre em dia. Essa obsessão de contar o tempo, deixemo-la para os relógios, máquinas inumanas. Deixemos, pois, a casa dos setenta uma abstração e entremos na acolhedora casa do Erico. Aceitemos a rodada de cafezinho que Dona Mafalda nos serve. Olhemos em torno. Há sempre lá novas caras. Há sempre alguém falando, um visitante, é claro, e o Erico escutando.

Ele sempre soube escutar.

Não sei o que ele pensava de nós, os da sua geração, quando o conhecemos. Mas nós o achávamos diferente. Desconfio que esse adjetivo não deve agradar lá muito a quem quis sempre comungar. Emendo, em tempo e a bem da verdade: cada um de nós é que queria ser diferente. Ele era igual. Ele era ele, sempre foi ele.

Alguém que soube dar um honesto testemunho do mundo e de si mesmo aos homens. Agora compreendo. Foi essa integridade que nos atraiu, naqueles longes tempos... E que, até hoje, continua atraindo os seus leitores".



8 de dez. de 2022

Doação de livros pelos autores

A Bibliotecária Ana Souza recebeu a doação de exemplares dos seguintes livros com a presença de seus autores:

- Fábio da Silva Barbosa

Futuro Cemitério

- Sérgio Oliveira de Araújo


Marcel Proust - Citações de À La Recherche Du Temps Perdu
Sobre Eros - e outros escritos 

- Adélia Einsfeldt

Maria José Silveira por Adélia Einsfeldt

Transbordamento do Olhar

-Ignácio Valentim Neis



- Dicção e Expressão Vocal - A Arte de Falar Bem
- Curso de Oratória e do Discurso - Desenvolva a Comunicação Eloquente, convincente, Persuasiva, Poderosa e Eficaz
-Desinibição e Domínio dos Medos Para Falar Bem




A Biblioteca Erico Verissimo agradece muito e desejamos sucesso aos autores!
 



15 de jul. de 2022

Escrita à moda antiga

    Sob a guarda do Instituto Moreira Salles, encontram-se seis preciosas máquinas de escritores e estudiosos da literatura brasileira, como o euclidiano Olímpio de Souza Andrade, os romancistas Erico Verissimo, Lygia Fagundes Telles e Rachel de Queiroz, além da poetisa Ana Cristina Cesar. 
    O fascínio contemporâneo por esses aparatos parece coincidir com um ressurgimento de mídias analógicas, como o disco de vinil e a Polaroid.. . Nessas engenhocas mecânicas, cada letra do alfabeto se convertia em nota que compunha o romance, a carta, o poema etc. Além do som peculiar, o balé gestual que ela exige – desde a colocação da folha de papel à sua retirada – e a ação de “bater” em cada tecla para dar impulso ao mecanismo de gravação faziam desta uma forma muito corporal de escrita. 
    A história dessas máquinas começa em 1575, quando o italiano Francesco Rampazzetto inventou um apetrecho que imprimia letras em papéis. Em 1714, Henri Mill obteve a primeira patente de um dispositivo similar a uma máquina de escrever, cuja invenção, segundo o Museu da Ciência de Londres, só se concretizou em 1830, nos Estados Unidos, com o “Tipógrafo”, que imprimia uma letra após a outra e concedeu ao seu inventor, William Burt, o título de “pai da máquina de escrever”, embora a história seja um pouco mais controversa do que aparenta. 
    Ao longo do tempo, os aparatos sofreram diversas mudanças em sua estrutura e design, e a escolha de cada escritor parece, agora, simbólica. Enquanto Olímpio de Souza Andrade preferiu a sobriedade de uma Royal marfim, Erico Verissimo não resistiu à tentação de ter a mesma máquina em extravagante cor vermelha. A Royal, marca norte-americana das mais conhecidas no mercado, foi comercializada anos depois de sua concorrente, a Remington, que já era um sucesso comercial desde 1875, quando Christopher Sholes e Carlos Glidden patentearam seu modelo (Type-writer) e fizeram um acordo com a empresa para que fosse produzido em quantidade. Na Royal vermelha, o ficcionista gaúcho escreveu, dentre outros, a parte principal de seu último romance, Incidente em Antares, na casa da filha Clarissa, nos Estados Unidos.

Erico Verissimo com sua Royal vermelha, s.d. Fotógrafo não identificado. Arquivo Erico Verissimo/Acervo IMS


    Luis Fernando Verissimo conta que o pai escrevia na mesa da sala de jantar e, depois, no escritório, ou na “toca”, como gostava de chamar o lugar oficial de trabalho. Ali ficava a tarde toda, até cerca de 19 horas. A última máquina adquirida por Erico foi uma elegante IBM preta, elétrica, que parecia ser a sua favorita e também pertence ao seu acervo. Com destreza e rapidez, ele escrevia diretamente à máquina, deixando espaços entre as linhas para possíveis correções e alguns desenhos. 
    Essa forma de escrever diferia da maneira como trabalhavam as escritoras citadas, que, apesar das máquinas, não abandonaram a prática do manuscrito. É o caso de Lygia Fagundes Telles, dona de uma Remington Junior preta sempre colocada sobre a mesa de trabalho. A autora tinha o hábito de primeiro escrever à mão e só depois datilografar.

A Remington Junior preta de Lygia Fagundes Telles, 2013. Fotografia de Marcio Isensee. Arquivo Lygia Fagundes Telles / Acervo IMS


    No quarto de Ana Cristina Cesar ficava a Consul bege, que, às vezes, levava para a sala de jantar. Mas, segundo o poeta e amigo Armando Freitas Filho, a máquina só era usada para escrever artigos, resenhas etc. Poesia – regra geral para suas composições – era sempre escrita à mão. 
    E é curioso que o clássico de Rachel de Queiroz, O Quinze, tenha sido escrito a lápis, à luz de uma lamparina a querosene, ainda que, provavelmente, a moça de 20 anos incompletos não tivesse então acesso a uma S&N cinza como a que viria a adquirir no futuro. As máquinas teriam grande importância na vida de Rachel e, nem mesmo no ambiente rural e franciscano da fazenda Não Me Deixes, no sertão de Quixadá, onde viveu com a família e a que voltava regularmente, abriu mão de ter uma à sua disposição. Pelo olhar do fotógrafo Edu Simões, a máquina e a lâmpada, que substituem o lápis e a lamparina de outrora, não destoam, antes se harmonizam com as paredes caiadas de branco, a varanda e o piso de madeira, a rede e os mosqueteiros – véus que, ao sabor do vento, desvelam a passagem do tempo e conferem à foto e ao ambiente uma sensação de paz e esquecimento. Quase se pode ver a escritora sentada à mesa, em frente à máquina, que se tornaria seu principal instrumento de trabalho como jornalista.

A máquina de Rachel de Queiroz na fazenda Não me Deixes, 1997. Foto de Edu Simões. Arquivo Edu Simões/ Acervo IMS

Rachel de Queiroz com sua máquina de escrever, c. 1950. Fotógrafo não identificado. Arquivo Rachel de Queiroz/Acervo IMS


    Outro que se dedicou ao jornalismo e fez desta sua atividade principal foi Otto Lara Resende. É também a máquina como instrumento de trabalho – e muito mais do que isso – que se pode depreender do momento flagrado por Helena Lara Resende no escritório do pai.

Otto Lara Resende no escritório, 1992. Foto de Helena Lara Resende. Arquivo Otto Lara Resende/Acervo IMS

    Na foto, percebe-se a intimidade entre homem e máquina, a natureza solitária do trabalho do escritor e o balé gestual já referido: enquanto a mão esquerda segura as folhas já retiradas da máquina, a direita confunde-se com o próprio papel nesse movimento. 
    Se as máquinas caíram em desuso, o fascínio que exercem chegou ao séc. XXI e tem atraído cada vez mais jovens que só agora começam a descobrir os prazeres de escrever em uma Smith Corona, Underwood ou Remington. Elas voltaram a ser utilizadas, tanto nos type-ins, encontros em que aficionados se reúnem para escrever, quanto nas residências, como artigos de decoração. Para colecionadores há, até mesmo, um evento internacional: a International Typewriter Collectors Convention. A última edição ocorreu de 7 a 10 de agosto de 2014 em Milwaukee, Wisconsin, nos Estados Unidos.

LYZA BRASIL - 2014

A Livraria do Globo da Rua da Praia

  A escultura de ferro no topo do prédio da Rua dos Andradas (Rua da Praia), talvez continue despercebida devido à pressa dos dias de hoje. ...