O ERICO
Mario Quintana
Escritas antes, para comemorar os seus setenta anos, as palavras seguintes saem hoje dolorosamente ainda com a presença física de Erico Veríssimo. Foram escritas para ele as ler. Isso explica o tom com que as escrevi. E que conservo, Deus sabe por quê.
E como se nada tivesse acontecido. Porque a morte nunca desatualizou ninguém, e muito menos o nosso querido Erico.
"Quando, com os da minha geração, que era a dele, eu conheci o Erico, ficamos a chamá-lo para sempre e assim mesmo: o Erico. O mesmo aconteceu com as outras gerações. Como ele é, antes de tudo, uma presença humana, essa familiaridade explica-se por si. Ele está conosco é o que pensam. O raio do homem consegue ser contemporâneo de todas as gerações.
Pois não será esse, acaso, o segredo de um verdadeiro romancista?
Por isso é que ele entra agora na casa dos setenta com a mesma afoiteza e curiosidade com que entrou na casa dos vinte, de olhos bem abertos para a vida. A vida continuou. Ele também. Sempre em dia com ela.
Aliás, a vida está sempre em dia. Essa obsessão de contar o tempo, deixemo-la para os relógios, máquinas inumanas. Deixemos, pois, a casa dos setenta uma abstração e entremos na acolhedora casa do Erico. Aceitemos a rodada de cafezinho que Dona Mafalda nos serve. Olhemos em torno. Há sempre lá novas caras. Há sempre alguém falando, um visitante, é claro, e o Erico escutando.
Ele sempre soube escutar.
Não sei o que ele pensava de nós, os da sua geração, quando o conhecemos. Mas nós o achávamos diferente. Desconfio que esse adjetivo não deve agradar lá muito a quem quis sempre comungar. Emendo, em tempo e a bem da verdade: cada um de nós é que queria ser diferente. Ele era igual. Ele era ele, sempre foi ele.
Alguém que soube dar um honesto testemunho do mundo e de si mesmo aos homens. Agora compreendo. Foi essa integridade que nos atraiu, naqueles longes tempos... E que, até hoje, continua atraindo os seus leitores".
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