Erico e Mario Quintana, numa entrevista entre os anos 60 e 70 em seu gabinete/sala de estar. Do livro A liberdade de escrever - Erico Verissimo |
Para Mario Quintana (1975)
Meus amigos, na minha opinião Mario Quintana é hoje em dia um dos cinco maiores poetas de todo o Brasil. Pé de Pilão é um livro que ele escreveu para crianças de várias idades, mas que também pode – e deve! - Ser lido por gente grande. Mas... como é que eu entro nessa história toda? Ora, eu não entro. Fico cá do lado de fora da casa do livro, gritando para todos os ouvidos e todos os ventos que o livro é bonito, divertido, faz a gente rir e querer saber “que é que vem depois...” Os desenhos são muito bons e foram feitos por um famoso artista, Edgar Koetz, gaúcho como o autor da aventura.
Conheço Mario Quintana faz uns bons quarenta anos. É o sujeito mais “diferente” que tenho encontrado na vida. Antes de tudo é um poeta, e ser poeta não é apenas fazer versos, prosa com rima (carvão-coração... carinho-passarinho... etc.). Ser poeta é saber ver o mundo como veem os anjos, as fadas, e ao mesmo tempo possuir o dom de comunicar a quem o lê o que ele vê e sente, em resumo, é ter os olhos para revelar a face secreta das pessoas e das coisas. Mario Quintana é um homem que caminha sozinho, como aquele gato do conto inglês. Bom, vou revelar a vocês um segredo. Descobri outro dia que o Quintana na verdade é um anjo disfarçado de homem. Às vezes, quando ele se descuida ao vestir o casaco, suas asas ficam de fora.
(Ah! Como anjo seu nome não é Mario e sim Malaquias).
Quintana é também um mágico, só que suas mágicas são feitas com palavras. Agora, amigos, prestem atenção. Pé de Pilão foi feito todo em versos, isto é, com frases que têm compasso de música, e com rimas. Quem já souber ler, que leia este conto em voz alta e clara. Se não souber, peça a outra pessoa – mãe, pai, irmão ou irmã mais velha, babá, alguma titia... - que se encarregue disso. E se durante a leitura por acaso aparecer na história alguma palavra que vocês nunca tenham visto antes, perguntem a quem sabe, o que ela significa. É assim que a gente aprende sua própria língua... e a dos estrangeiros.
Pois é. Deixo com vocês o caso do Pé de Pilão, que se vai transformando, de verso em verso, no caso de outros personagens, bem como um rio que vai correndo para o mar e encontrando no caminho pessoas, animais e coisas que o leitor não esperava. Leiam esta história – ou escutem sua leitura – mais de uma vez. E se alguém um dia perguntar quem é Mario Quintana, podem responder sem medo de errar que ele é um dos melhores poetas do nosso Brasil. É isto o que pensa quem gosta dele como de um irmão, um tal de
Erico Verissimo
Para Erico Verissimo
O dia abriu seu pára-sol bordado
De nuvens e de verde ramaria.
E estava até um fumo, que subia,
Mi-nu-ci-o-sa-men-te desenhado.
Depois surgiu, no céu azul arqueado,
A Lua – a Lua! – Em pleno meio-dia.
Na rua, um menininho que seguia
Parou, ficou a olhá-la admirado…
Pus meus sapatos na janela alta,
Sobre o rebordo… Céu é que lhes falta
Pra suportarem a existência rude!
E eles sonham, imóveis, deslumbrados,
Que são dois velhos barcos, encalhados
Sobre a margem tranquila de um açude…
Erico Verissimo foi um dos grandes amigos de Mario Quintana. Para o autor de O Tempo e o Vento, Mario escreveu “Canção da Primavera”. A poesia integra seu livro Canções.
Canção da Primavera
Erico Verissimo foi um dos grandes amigos de Mario Quintana. Para o autor de O Tempo e o Vento, Mario escreveu “Canção da Primavera”. A poesia integra seu livro Canções.
Para Erico Veríssimo - Canções 1946
Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.
Catavento enlouqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.
Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo. . .
Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!
Mario Quintana
Mario Quintana